domingo, 25 de maio de 2014

Tédio e apatia na infância pode ser causada por superproteção e excesso de controle por adultos

A superproteção e o excesso de controle pelos adultos aparecem como principais causas da vivência do tédio e apatia na infância. 

Uma pesquisa desenvolvida no Instituto de Psicologia (IP) da USP mostra que a presença constante de adultos controlando as ações das crianças contribuem para a falta de autonomia e espontaneidade delas.
O projeto buscou entender quais seriam as possíveis correlações entre o consumo e a vivência do tédio infantil. Para tanto, verificou-se de que maneira se compõe a
rotina extraescolar de crianças, apurando o que ela faz fora da escola, o tempo que brinca
livremente, o tipo de acesso a eletrônicos e a frequência com que faz atividades extracurriculares.

Para a psicóloga e professora Clarice Krohling Kunsch, autora do estudo, os diagnósticos de
depressão, ansiedade e déficit de atenção das crianças muitas vezes são exagerados. Nesse quadro, o estudo caminhou no sentido de
contribuir para a melhoria dessas verificações.

“Como professora, sempre me intrigou a apatia de alguns alunos. Muitos deles chegavam na escola com diagnósticos de depressão, porém eles estavam simplesmente entediados”.

Ao todo, 30 crianças com idade entre 5 e 7 anos foram submetidas a uma sequência de entrevistas. Paralelamente, essas mesmas
crianças foram observadas em diversos momentos da rotina escolar e seus pais e professores também foram entrevistados.

“Os dados de todos os participantes foram analisados e a partir dai levantamos gráficos”,
conta a pesquisadora.

Com o intuito de aprofundar o tema da vivência do tédio, a pesquisadora realizou uma interpretação mais detalhada dos dados de entrevistas e observações de oito crianças, sendo escolhidas quatro com sinais de vivência de tédio e outras quatro sem sinais de vivência de tédio.
A psicóloga destaca três grandes aspectos comuns nas rotinas de todas as oito crianças.

São eles: prática de atividades
extracurriculares, presença constante de um adulto (mãe, pai ou babá) no período em que
não estão na escola e acesso a equipamentos eletrônicos, como televisão, videogame, iPad e
computador.
Em relação ao primeiro item, no grupo das crianças com sinais de vivência de tédio, verificou-se que não há necessariamente
interesse da criança pela atividade que pratica.
No outro grupo, a experiência extraescolar estava ligada a um interesse próprio e sem
grandes expectativas de resultados por parte dos pais.

“Parte-se da ideia que é melhor a criança estar em um lugar seguro e protegido do que sem fazer nada. Então, entra a grande expectativa de antecipar conteúdos e tentar o
quanto antes criar os gênios ou os grandes profissionais do futuro. Porém, para uma criança é mais saudável ter experiências
múltiplas, como praticar diversos esportes ao invés de apenas um, por exemplo”.

No segundo ponto da pesquisa, Clarice ressalta que, por estar a maior parte do tempo institucionalizada (escola ou cursos), com um adulto ensinando a fazer algo, a criança acaba
por esperar que alguém sempre lhe diga o que deve fazer.

“Nesse cenário, falta-lhe iniciativa.
Os adultos estão cada vez mais controladores e superprotetores. Nesse aspecto vemos claramente o tédio, pois quando pode ser livre
ou escolher livremente, faltam à criança a capacidade e a vontade de agir espontaneamente”.

A pesquisadora desmistifica a ideia de que os equipamentos eletrônicos são apenas vilões no
desenvolvimento infantil. Ela afirma que esses produtos fazem parte da rotina da grande
maioria das crianças atualmente e seria desnecessário negar a sua existência.

“O importante é saber administrar o uso, orientando-as para o uso saudável e adequado.
O alerta fica para a soma de horas, para que não permaneçam apenas assistindo televisão ou jogando videogame”.

Controle de ações

A psicóloga aponta algumas mudanças de ponto de vista que a pesquisa pode trazer.

“A princípio, acreditava que a vivência do tédio em crianças poderia estar diretamente
relacionada ao consumo excessivo de bens, porém pude perceber que é possível se relacionar de maneira saudável e adequada
com aquilo que se tem”.

Ela afirma que o que
realmente pode ser prejudicial para uma criança é ter sempre alguém controlando suas
ações.

“Superproteções excessivas tiram da criança as possibilidades de explorar novos caminhos e se motivar para tal”, afirma.

Clarice ressalta ainda que estamos diante de um fenômeno ainda pouco explorado entre os
estudiosos da infância e que pode estar se tornando cada vez mais comum entre as crianças da geração atual.

“Faz-se necessário alertar pais e profissionais sobre as possíveis causas e implicações do tédio infantil e orientá-los na formação de crianças mais felizes, criativas e espontâneas”, recomenda.

De: www.ebc.com.br

Direitos autorais: Creative Commons - CC BY 3.0

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